OS SOLDADOS PSICOPATAS DOS EUA: A barbárie sistêmica da ocupação do Afeganistão

Soldado psicopata dos EUA exibindo seu troféu - um civil afegão assassinado
A barbárie sistêmica da ocupação do Afeganistão

Ross Caputi
Fonte: Uruknet, Tradução de F. Macias





Haverá moralmente uma diferença significativa entre homicídio, como o massacre de Panjwai, e dano colateral? Perguntem aos civis afegãos.


A morte de civis inocentes não é nada de novo no Afeganistão, mas estas 16 vítimas, nove das quais crianças, foram alegadamente assassinadas por um soldado sem escrúpulos, em vez de os assassinos habituais – ataques com drones, ataques aéreos e balas perdidas. Este incidente provocou a raiva entre os Afegãos e de modo idêntico aos ocidentais. Mas porque é que os ocidentais não ficam igualmente indignados quando os ataques com drones matam famílias inteiras? 

 

Os ataques com drones que matam civis entram na categoria de “danos colaterais”, porque os civis mortos não foram especificamente visados, e nós tratamos esta categoria como uma consequência infeliz da guerra, não homicídio. Os Afegãos vêem aí pouca diferença – certamente porque, na minha opinião, os seus entes queridos morrem devido a acções deliberadas das forças da Nato.

 
Esta distinção entre dano colateral e homicídio parece ir dar à questão da intenção. Thomas Aquinas foi um dos primeiros a teorizar sobre esta distinção com a sua doutrina do duplo efeito, que ainda hoje é usado para justificar os danos colaterais. No ocidente acredita-se que algumas mortes inocentes são desculpáveis na guerra, contanto que essas mortes não sejam premeditadas, embora sejam previsíveis. Mas se são previsíveis mortes civis no decorrer duma acção e nós praticamos essa acção de qualquer modo, não planeámos essas mortes? Eu duvido que os Afegãos sentissem mais consolo por saberem que os seus familiares não tinham sido directamente o alvo; melhor, nós apenas imaginávamos que as nossas acções matariam algumas pessoas e acontecia que elas eram membros da sua família – um infeliz efeito colateral da guerra.

 
No entanto, os espectadores ocidentais sentem-se tranquilos ao saberem que a maior parte das mortes de civis não foram deliberadas; e apenas se indignam quando os marines ou soldados atiram manifestamente contra civis matando mulheres e crianças, urinam sobre os corpos e saqueiam partes do seu corpo como troféus. Desde Abu Ghraib, a Faluja, Haditha , e agora Panjwai, as forças norte-americanas têm cometido sempre massacres contra civis. Estes incidentes destacam-se aos olhos dos ocidentais, mas para os Afegãos e os Iraquianos, eles não são nada diferentes da matança diária de civis através de drones, ataques aéreos, urânio empobrecido e balas perdidas.

 
Digam a uma mãe de Faluja cujos filhos ficaram horrivelmente deformados com armas de urânio, que o sofrimento dos seus filhos foi involuntário, ainda que os efeitos sobre a saúde das armas à base de urânio sejam bem conhecidos. Digam aos sobreviventes de ataques com drones que os seus familiares mortos não eram o alvo e que a sua morte foi uma infeliz consequência da guerra. É a sua dor diferente da do pai, cuja família inteira foi assassinada neste acto de bestialidade mais recente? Se o dano colateral é previsível, se é na verdade uma realidade da guerra como a maioria acredita que é, não é um crime empreender a guerra quando é inevitável matar inocentes?

 
Há na verdade uma diferença moralmente significativa entre o homicídio e o dano colateral?

O pretensioso vai argumentar que os bons resultados são maiores que os maus, que a democracia, a liberdade e a libertação das mulheres Afegãs irão melhorar tanto a vida dos Afegãos que a morte de alguns se justifica. Este é um juízo fácil para os ocidentais fazerem no conforto das suas casas; mas tresanda ao mesmo sistema patriarcal e à arrogância do fardo do branco que defendeu o colonialismo durante tantos anos. Alguém consultou os Afegãos e lhes perguntou se eles pensam que os benefícios que o ocidente lhes prometeu que viriam desta ocupação, valem as vidas dos seus familiares?

A ocupação do Afeganistão é um “caso de produção de crueldade”, como foi a ocupação do Iraque, e nós incluímos nela os Afegãos e Iraquianos contra a sua vontade.

A natureza destas ocupações favorece a barbárie. O inimigo inventado, a falta de um campo de batalha sem civis, a suposta superioridade moral dos ocupantes, os obscuros objectivos da missão, os métodos de treino que preparam os soldados para a ocupação e os métodos da actividade da guerra, todos tornam inevitável o assassinato de civis. Na guerra moderna, 90% das baixas são civis, mas isto é uma realidade que o ocidente gosta de ignorar.

 
Pela minha própria experiência, soldados e marines defrontam-se com um insuportável grau de pressão e responsabilidade, e isto inevitavelmente leva à violência. Quando eu fui mobilizado para o Iraque em 2004, com o 1º Batalhão 8º Marines, nós confrontámo-nos com expectativas contraditórias dos nossos líderes que queriam obediência total, da nossa sociedade instalada que queria uma vitória estilo Hollywood e um final feliz, das nossa famílias que queriam que nós colocássemos as suas necessidades em primeiro lugar, dos nossos camaradas de armas que queriam a nossa lealdade, e de nós próprios enquanto lutávamos por manter a nossa humanidade. Por mais que quiséssemos agradar a todos, nós não podíamos. Éramos apenas humanos a quem se pedia para carregar um fardo desumano, e o resultado era um procedimento desumano.

Nós brincávamos muitas vezes com a ideia de suicídio e homicídio e riamo-nos disso. Riamo-nos perante a possibilidade de um dia podermos acabar sem tecto, na rua, ou de disparar sobre pessoas algures de uma torre. Sabíamos que esta possibilidade era real e ficávamos com medo. “Oh, glória a tudo”, ríamos. Era o humos negro que tornava mais fácil de suportar a dura realidade de muitos de nós estarmos à beira de nos matarmos a nós mesmos ou alguém.

No entanto, nos territórios ocupados, a violência que podia, de outro modo, estar voltada para dentro, às vezes manifesta-se para fora. Em Faluja, em testemunhei todas as nossas frustrações, a nossa solidão, as nossas mágoas, a nossa confusão, ódio, medo e raiva a desabarem sobre Faluja – e os Falujanos pagaram caro. Eu testemunhei pessoas boas a fazerem coisas horríveis. Praticamente qualquer pessoa nesta situação se pode tornar tão desumano. Alguns dos meus amigos mais próximos mutilaram cadáveres, saquearam os bolsos de combatentes da resistência mortos, destruíram casas e mataram civis.

Não se pode pensar que incidentes como o que ocorreu em Panjwai no domingo, são fruto de “uma maçã podre”. Incidentes como este são o produto de uma ocupação imoral e desumana. A barbárie não acabará enquanto a ocupação não acabar. Quando é que vamos parar com a ilusão de que a guerra pode ser conduzida humanamente?





Texto original em http://tribunaliraque.info/pagina/artigos/depoimentos.html?artigo=1060



O Mafarrico Vermelho

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