As bolsas, as troikas e as concordatas

As bolsas, as troikas e as concordatas
por Jorge Messias


«A Bolsa de Valores Sociais reproduz o ambiente de uma Bolsa de Valores e o seu papel é facilitar o encontro entre ONG criteriosamente seleccionadas (com trabalhos reais e comprovados na área da Educação e do Empreendorismo) e investidores sociais (doadores) dispostos a apoiar essas Organizações através da compra das suas acções» (do Ante-projecto subscrito por Fundações como a Atitude, a Gulbenkian, a EDP, a Caixa Geral dos Depósitos, a Melvox, etc.).

«O nascimento de um sistema capitalista exige uma revolução moral. Muitos indivíduos têm de optar por uma nova forma de vida, orientada por um sistema de escolha mais exigente. O Capitalismo ou é uma revolução moral ou nada é… Se perdermos as nossas almas nesse processo, de nada servirá a salvação dos pobres do mundo inteiro» (Michael Novak, «A Ética católica e o espírito do Capitalismo»).

«Na República democrática a riqueza exerce o seu poder de forma indirecta mas tanto mais segura, isto é: por um lado, pela corrupção directa dos funcionários, como acontece nas Américas; e também pela aliança permanente entre os Governos e as Bolsas de Valores» (Lenine citando Engels na obra «O Estado e a Revolução») . 

 O correr dos tempos salta aos olhos quando se fala abertamente em doutrina social da Igreja. Em termos históricos, dois ou três séculos atrás (ou seja, ainda «ontem», na memória dos homens), a hierarquia romana tecia a sua imagem em torno de meia-dúzia de mitos como «o milagre», a «tradição», a «caridade», a «diabolização do inimigo» ou a «subsidiaridade»...


Presentemente, os bispos neoliberais falam abertamente em temas que só os velhos ateus a medo afloravam: a acção política exige que a doutrina católica seja uma para os ricos e outra para os pobres; é natural na tradição da Igreja que as manobras mais reaccionárias passem de boca em boca, das cátedras do magistério às poltronas dos multimilionários; e admite-se que troikas, bolsas e concordatas, mais não sejam senão «mantos diáfanos da fantasia» que sirvam para ocultar a «nudez forte da verdade» dos miseráveis que o capitalismo não cessa de gerar.


No mundo moderno, os católicos encontram-se, assim, numa situação embaraçosa. Se denunciarem, ainda que em parte, aquilo que conhecem acerca dos escuros corredores do Vaticano de J. Ratzinger e das igrejas nacionais, serão de certeza queimados vivos porque a Inquisição, tal como o Fascismo, continua viva e funcional em pleno século XXI. Se continuarem a calar-se, a Igreja católica arrastar-se-á, de anemia em anemia, até ao suspiro final.


A religião continua a ser usada para dividir os homens e justificar guerras de rapina onde só os mais ricos e os mais fortes poderão vencer. O conceito de Igreja como entidade representativa da fé e da convicção a ninguém já convence. Nem mesmo às hierarquias que sistematicamente acenam com a palavra apenas para imporem posições políticas ou interesses materiais. As piores patifarias decorrem no «silêncio dos deuses» que ocultam e garantem os superiores interesses do Vaticano, da Banca mundial ou dos vespeiros das redes secretas ao serviço do capitalismo.


Exemplos deste tipo sucedem-se diariamente. Para já, falemos de um deles. Depois se verá até onde poderemos ir.


Não é segredo para ninguém e vem nos livros da Igreja católica que as instituições que constituem a sua Acção Social e Caritativa (ONGS, IPPS, Misericórdias, etc) não visam fins lucrativos. A hierarquia da Igreja também nega redondamente haver qualquer intenção oculta de estabelecer, a médio prazo, uma estrutura caritativa «em rede» que dispute ao Estado democrático as competências e as obrigações que a Constituição em vigor àquele atribui. Ao penetrar nos nevoentos campos da Caridade, o Episcopado recorda novamente ser completamente alheio às tentações do dinheiro e do poder. Estas são as posições oficiais dos bispos portugueses. Mas depois surge a notícia, devidamente confirmada, da constituição em Portugal de uma Bolsa de Valores Sociais. Trata-se da primeira iniciativa deste tipo tentada na Europa e da segunda que se realiza em todo o mundo, tendo sido a primeira no Brasil.


A divisa escolhida para a campanha de lançamento é, evidentemente, optimista: «As boas acções estão sempre em alta».


É uma vez mais a Ética a encobrir a ganância do Lucro.


Texto original Jornal Avante



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