Lénine e as tarefas de propaganda - Contribuições para a intervenção do PCP

Lénine e as tarefas de propaganda - Contribuições para a intervenção do PCP


Por Ana Pato


Revista O Militante - Nº 316 - Jan/Fev 2012 • Organização







As tarefas de propaganda e agitação são estruturais e estruturantes para um partido revolucionário. A estas tarefas Lénine dedicou grande atenção, nomeadamente no quadro da edificação do partido da classe operária e na definição das suas principais tarefas. Por isso, quando nos debruçamos sobre o trabalho de propaganda do PCP e as tarefas que se nos colocam no dia de hoje, revela-se do maior interesse ter presente as reflexões de Lénine.



Propaganda de quê?


Dizia Lénine que a tarefa que se colocava no quadro do trabalho socialista dos social-democratas russos(1) era propagar a doutrina do socialismo científico, difundir entre os operários uma concepção correcta do regime económico e social actual, das bases e do desenvolvimento deste regime, das diferentes classes da sociedade, das suas relações, da luta dessas classes entre si, do papel da classe operária nesta luta, da sua atitude para com as classes que estão em declínio e aquelas que se desenvolvem, para com o passado e o futuro do capitalismo (2). Quanto ao trabalho democrático dos social-democratas – propagar as ideias democráticas junto das massas, tornar evidentes todas as manifestações do absolutismo, o seu conteúdo de classe, a necessidade de derrubá-lo, etc. –, este deveria estar indissoluvelmente ligado à actividade socialista. Lénine sublinha a importância da popularização de uma teoria que traga à luz do dia todas as formas de antagonismo económico, as suas relações e desenvolvimento lógico, que mostre «a necessidade da exploração e da expropriação dos trabalhadores com este sistema», que indique «a saída que sugere o desenvolvimento económico» (3).

No que diz respeito à agitação, os sociais-democratas não se deviam limitar à agitação política no terreno económico, mas estendê-la ao campo político. Esta é aliás, considera Lénine, a sua tarefa: transformar a política sindical numa luta política social-democrata; «aproveitar os vislumbres de consciência política que a luta económica fez penetrar no espírito dos operários para elevar estes à consciência política social-democrata»(
4).

Propaganda para quem?

Lénine também prestou atenção à questão da adequação da propaganda e da agitação às camadas a que se dirigem. Lénine, a propósito do problema de determinar o que deveria ser o órgão dos sociais-democratas, caracterizou diferentes camadas de operários: os operários mais avançados, uma mais vasta camada de operários médios – para quem é importante que o jornal ligue «a cada questão local estreita o socialismo e a luta política» (
5) – e a massa das camadas inferiores do proletariado – para quem seria possível que o jornal fosse inacessível (sem que daí decorra que o jornal devesse adoptar o nível mais baixo dos operários). «Daí apenas resulta que, para agir sobre essas camadas, são precisos outros meios de agitação e propaganda: brochuras muito populares, agitação oral e, sobretudo, panfletos sobre os acontecimentos locais»(6).

O agitador deve falar de modo a fazer-se compreender, o modo de agitação deve adaptar-se às condições individuais e locais, a agitação deve diferir consoante o público, deve ser individualizada, mas a táctica, a actividade política deve ser una, considera.

Palavras de ordem

Em relação íntima com a propaganda e a agitação está a questão das palavras de ordem que Lénine abordou em escritos como Sobre a Palavra de Ordem dos Estados Unidos da Europa (
7) (1915) e A Propósito das Palavras de Ordem (8) (1917), para cuja leitura se chama a atenção. Não se trata de nenhuma abordagem abstracta ao problema, mas sim de uma análise do acerto de palavras de ordem determinadas. A partir da sua leitura, podemos arriscar retirar conclusões mais ou menos gerais: a aferição da correcção das palavras de ordem requer uma discussão profunda e que (ou, na medida em que) não pode ser feita se não se tiver em conta o estudo dos factores objectivos, das relações objectivas que se estabelecem numa realidade em permanente mutação.

Tomemos o exemplo da palavra de ordem «passagem de todo o poder para os Sovietes» que era válida de 27 de Fevereiro a 4 de Julho de 1917. Chamando a atenção para que «a questão do poder é a questão fundamental de qualquer revolução», Lénine afirma que as armas nas mãos do povo, a ausência de coacção exterior sobre o povo, permitiriam a via pacífica de desenvolvimento de toda a revolução em que a passagem do poder do Estado para os sovietes era o passo imediato. Mas a 4 de Julho «a situação instável do poder cessou, o poder passou, no ponto decisivo, para as mãos da contra-revolução». E, nessas novas condições, «a palavra de ordem da passagem do poder para os Sovietes […], objectivamente, seria enganar o povo, infundir-lhe a ilusão de que, mesmo agora, bastaria aos Sovietes quererem tomar o poder ou deliberar isto para obter o poder, de que no Soviete ainda se encontram partidos não manchados pela cumplicidade com os verdugos, de que é possível fazer com que aquilo que aconteceu não tenha acontecido». Este exemplo mostra que «palavras de ordem que ontem eram correctas mas hoje perderam todo o sentido» e que «cada palavra de ordem particular deve derivar do conjunto de peculiaridades de uma determinada situação política».

Propaganda para quê?


Aqui põe-se o problema da relação entre a teoria e a prática. A propaganda e a agitação são partes constitutivas do trabalho ideológico. Mas, como podemos encontrar formulado em Ideologia e Prática, a função ideológica é eminentemente prática, não só porque deriva dela, mas porque visa produzir efeitos no domínio da prática. Isto é, a ideologia intervém também (mediatamente) sobre a base material (que a determina) (
9). A agitação liga a teoria à prática. Para isto chama também atenção o camarada Álvaro Cunhal quando, analisando o trabalho de propaganda e a luta ideológica em A Revolução Portuguesa, o Passado e o Futuro, recorda a citação de Marx: «a força material deve ser dominada pela força material, mas a teoria transforma-se, ela também, em força material quando ganha as massas».

Para que tal trabalho seja levado a cabo é necessário uma força política organizada; só um partido organizado se pode entregar a uma vasta agitação, afirmou Lénine. Tal agitação «consiste em que os social-democratas participam em todas as manifestações espontâneas da luta da classe operária, em todos os conflitos entre operários e capitalistas a respeito do dia de trabalho, dos salários, das condições de trabalho, etc. A nossa tarefa é fundir a nossa actividade com as questões práticas, quotidianas da vida operária, ajudar os operários orientar-se nestas questões, chamar a sua atenção para os principais abusos, ajudá-los a formular de modo mais preciso e prático as reivindicações que apresentam aos seus patrões, desenvolver nos operários a consciência da sua solidariedade, a consciência dos seus interesses comuns e da causa comum a todos os operários russos, enquanto classe operária una e indivisível que faz parte do exército mundial do proletariado» (
10).

Trata-se de cuidar da assimilação pelas massas de uma teoria revolucionária visando a prática revolucionária sem a qual esta não seria possível; trata-se de um apelo para a acção (transformadora), dirigida por um partido cuja tarefa «não é inventar planos de reorganização da sociedade ou pregar aos capitalistas e aos seus criados a melhoria da sorte dos operários ou tramar conspirações, mas organizar a luta da classe do proletariado e dirigir esta luta cujo objectivo final é a conquista do poder político pelo proletariado e a organização da sociedade socialista» (
11).

 *******************************************************************************************************

A partir desta muito breve referência aos escritos de Lénine em que ele aborda o trabalho de agitação e propaganda naquele contexto histórico determinado vemos que esta discussão atravessa as questões do conteúdo, forma e meios. Espera-se que seja uma contribuição para para melhor compreendermos e agirmos correctamente sobre a nossa própria realidade.

O nosso Partido procedeu o ano passado a uma discussão, integrada na acção de reforço do Partido, sobre o trabalho de informação e propaganda, aspecto que, conjuntamente com a questão do silenciamento e condicionamento ideológico e com a da importância dos meios próprios Partido, foi tratada em números anteriores de O Militante (mais recentemente nos nºs. 306 (2010) e 295 (2008), para os quais se chama a atenção).

O trabalho de agitação e propaganda não substitui o trabalho de organização. Para isto chamava a atenção Álvaro Cunhal num momento muito diferente da vida do Partido dizendo que «a agitação informa, esclarece, dá uma orientação geral e, em numerosos casos, consegue conduzir os trabalhadores à luta. Mas a agitação não pode assegurar, só por si, a direcção da luta em curso. Primeiro porque, se não há organização, a vanguarda não pode ter um conhecimento exacto da situação […] e não pode por isso também dar palavras de ordem correctas. Depois porque não pode responder com suficiente prontidão às mudanças da situação […]» (
12). Por aqui vemos também que a questão do reforço da organização é uma questão decisiva e que com tudo se relaciona. Nada substitui a organização dos comunistas nos locais de trabalho, nas escolas, nas localidades, etc. É a diferença entre estar «dentro» ou ir «de fora», entre uma distribuição à porta de uma empresa, mesmo que regular (imprescindível!), e ter uma célula no interior dessa mesma empresa que garanta esse trabalho.

Mas também é verdade que o trabalho de propaganda e agitação ajuda a reforçar a organização. Ele é um instrumento fundamental de ligação do Partido às massas. Além de abrir caminho para o recrutamento de novos militantes, ele contribui para a formação política e ideológica dos camaradas e para a estruturação da própria actividade do Partido.

O trabalho de agitação e propaganda liga-se, assim, à organização do Partido, reforçando-a e saindo reforçado. Se determinámos com justeza como tarefa central o reforço do Partido nas empresas e locais de trabalho, é então necessário aumentar o número de boletins de célula ou sector que reflicta e estimule essa organização. O envolvimento dos camaradas na produção desses materiais obriga à sua actividade, ao aprofundamento do conhecimento dos problemas desses trabalhadores e aproximará trabalhadores do Partido ao reverem-se nas situações denunciadas e nas reivindicações apresentadas.

Temos vindo a identificar a necessidade de dar um carácter mais agitador à acção do Partido e têm-se tomado várias medidas nesse sentido, como a marcação de acções específicas. É, pois, necessário incluir como estilo de trabalho constante a realização de acções de agitação, como, por exemplo, tribunas públicas, bancas de rua, mini-comícios, etc. É também necessário melhorar o nosso estilo de trabalho no sentido de tornar cada militante um agitador, na linha daquilo que foi feito na acção Um Milhão de Contactos. É importante que não se entenda isto como uma forma de intervenção individualista, desorganizada, voluntarista e que dispensa a militância numa organização, mas sim como a maximização das potencialidades do Partido através da acção de cada militante junto de todos os seus contactos e através de todos os meios.

Todos os meios são bons para propagar a mensagem do Partido e, de forma geral, cada um tem o seu lugar próprio (sem que com isto se queira dizer que têm todos a mesma importância): desde a difusão do Avante! e de O Militante, desde as acções de formação ideológica e o trabalho editorial, desde a nossa «rede nacional» de estruturas mupi, as faixas, os cartazes, os pendões, os carros de som, os folhetos nacionais, os boletins de célula e sector, desde as acções de rua até à presença e intervenção do Partido e dos militantes na internet em todas frentes (no sítio do Partido, nas redes sociais, nos blogues...). A nossa intervenção necessita e pode ir mais além. Mas, para isso, as organizações precisam de estruturar o seu trabalho, descentralizar, responsabilizar quadros, acompanhar, controlar.

Se colocamos muito justamente como orientação fortalecer financeiramente o Partido, isso também tem consequências no nosso trabalho de propaganda. Não é incompatível: precisamos ao mesmo tempo de gastar menos dinheiro, recolher mais fundos e fazer mais agitação e propaganda, reforçando a organização.

O Partido precisa igualmente de defender o direito e a liberdade de propaganda aos quais têm sido testadas limitações. Neste momento é preciso não recuar e enfrentar caso a caso o impedimento de uma distribuição, colagem de cartazes, remoção de estruturas mupi, pintura de mural, etc. É preciso preparar os militantes política e ideologicamente e defender este direito exercendo-o.

O momento que vivemos no nosso país é marcado por uma agudização das contradições e da luta de classes. A acompanhar a ofensiva de extrema gravidade contra o povo e os trabalhadores através do pacto de agressão está uma ofensiva no plano ideológico. A nossa propaganda precisa denunciar cada ataque que está a ser feito em cada esfera da vida e que o povo bem conhece: aumento do horário de trabalho, roubo no subsídio de Natal e de férias, encerramento dos serviços de saúde, aumento dos passes e corte de carreiras, aumento da electricidade, etc. Precisa, caso a caso, de desmontar as mistificações e as mentiras veiculadas diariamente em todos meios de dominação ideológica (com particular destaque para a comunicação social) que têm o objectivo de esconder a verdadeira natureza destas políticas, de procurar a sua aceitação passiva e desmobilizar a luta. Assim, a nossa propaganda precisa de apelar à luta organizada, ao reforço do Partido; precisa de dizer que a crise de que tanto se fala é a crise do sistema capitalista; que estas medidas não são inevitáveis, mas resultam de claras opções políticas ao serviço dos grupos monopolistas; que os responsáveis por esta situação são as políticas de direita prosseguidas pelos sucessivos governos há mais de 35 anos de que o povo português não é co-responsável, mas vítima; que o pacto de agressão não impõe sacrifícios a todos, mas tão-só ao povo para preservar as mais-valias do capital; que o combate à pobreza passa pelo aumento dos salários e pensões, etc. A nossa propaganda precisa, pois, também de deslindar, revelar, todas as relações e interesses objectivos que estão sob a espuma – tão grande – das mistificações, precisa de explicar os mecanismos e as causas da situação que vivemos e indicar a saída.


Notas
(1) Partido socialista ou social-democrata era a designação que à época tinham os partidos marxistas, incluindo o Partido de Lénine, o «Partido Operário Social-Democrata Russo». A designação de partido comunista surge da ruptura leninista com o oportunismo da II Internacional para diferenciar os partidos revolucionários de novo tipo.
(2) V. I. Lénine, «As tarefas dos Social-Democratas Russos» (1897), in Lénine, Propaganda e Agitação, Edições Progresso, Moscovo, 1984, p. 15.
(3) V. I. Lénine, «O que são os “Amigos do Povo” e como Lutam contra os Social-Democratas» (1894), in Lénine, Propaganda e Agitação, ed. cit., p. 10.
(4) Lénine está a combater a tendência «economista» segundo a qual os operários deviam, primeiro, pela luta económica contra o patronato e o governo, acumular forças para a política sindical e, só depois, passar à actividade social-democrata. Ver V. I. Lénine, «Que Fazer?» (1902), in Obras Escolhidas em Três Tomos, Edições «Avante!»-Edições Progresso, Lisboa-Moscovo, 1977, t. 1, p. 131 (nota de rodapé) e p. 135.
(5) V. I. Lénine, «Um Movimento Retrógrado na Social-Democracia Russa» (1899), in Lénine, Propaganda e Agitação, ed. cit., p. 54.
(6) Idem, p. 54.
(7) V. I. Lénine, Obras Escolhidas em Três Tomos, ed. cit., t. 1, pp. 569-572.
(8) V. I. Lénine, Obras Escolhidas em Três Tomos, ed. cit., t. 2, pp. 131-136.
(9) José Barata-Moura, Ideologia e Prática, Editorial Caminho, Lisboa, 1978, pp. 57 e 110.
(10) V. I. Lénine, «As tarefas dos Social-Democratas Russos» (1897), in Lénine, Propaganda e Agitação, ed. cit. p. 15.
(11) V. I. Lénine, «O Nosso Programa» (1899), in Lénine, Propaganda e Agitação, ed. cit. p. 15.
(12) Álvaro Cunhal, «Relatório da actividade do Comité Central ao VI Congresso», in Obras Escolhidas, Edições «Avante!», Lisboa, 2010, t. III, pp. 397-398.


O Mafarrico Vermelho

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O complexo militar industrial e a energia nuclear

Tortura nas prisões colombianas: sistematismo e impunidade revelam uma lógica de Estado

Campo de Concentração do Tarrafal - o Campo da Morte Lenta